Campanha arqueológica reforça importância histórica do navio Camargo em Angra

Pesquisadores, arqueólogos e quilombolas atuaram por 14 dias no sítio arqueológico Bracuí 1; próxima etapa está prevista para novembro

20 de maio de 2025

 

Mais uma importante etapa das pesquisas sobre o naufrágio do navio escravagista Camargo foi concluída em Angra dos Reis. Durante 14 dias, arqueólogos, historiadores, pesquisadores e integrantes da comunidade quilombola de Santa Rita do Bracuí estiveram em campo no sítio arqueológico Bracuí 1, local onde se encontram os vestígios da embarcação, que naufragou em 1852 e é um dos últimos registros materiais do tráfico ilegal de africanos escravizados no Brasil.

 

A expedição integra um projeto internacional de arqueologia subaquática e de memória, e conta com o apoio da Prefeitura de Angra dos Reis, por meio da Secretaria de Cultura e Patrimônio. A atuação conjunta entre comunidade, pesquisadores e poder público tem permitido resgatar e dar visibilidade a uma história por muito tempo silenciada.

 

- Trata-se de um trabalho de resgate e valorização da memória afro-brasileira que orgulha nossa cidade. Angra dos Reis é parte viva dessa história, e o município tem o dever de apoiá-la, reconhecendo a importância do território quilombola de Santa Rita do Bracuí para o Brasil e para o mundo – destacou o secretário, Andrei Lara.

 

A próxima etapa da expedição será em novembro, com novas ações de mapeamento, identificação de vestígios e envolvimento direto da comunidade quilombola.

 

 

A pesquisa é coordenada por especialistas do Instituto AfrOrigens, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade Federal de Sergipe (UFS), além de contar com parcerias internacionais como o Slave Wrecks Project, do Smithsonian Institution (EUA).

 

- A história do navio Camargo é um capítulo [do tráfico ilegal de africanos escravizados] que por muito tempo permaneceu silenciado. Durante décadas, pouco ou nada se sabia sobre essa embarcação que naufragou na baía de Angra dos Reis em 1852, e foi somente a partir da articulação entre universidades, comunidades locais e instituições parceiras que começamos a reconstruir essa narrativa esquecida - conta Martha Abreu, historiadora e professora da UFF.

 

Para ela, as memórias da comunidade quilombola de Santa Rita do Bracuí têm sido fundamentais nesse processo, pois dão vida aos documentos e vestígios arqueológicos, conectando o passado à experiência viva de seus descendentes.

 

- Estudar o Camargo é reconhecer que o tráfico de africanos escravizados não foi um detalhe da nossa história, mas parte estruturante da formação do Brasil. E é com esse compromisso de memória e justiça histórica que temos avançado em projetos colaborativos, como o AfrOrigens, com apoio de instituições nacionais e parcerias internacionais. Essa cooperação tem ampliado o alcance e a profundidade das pesquisas, fortalecendo o diálogo entre ciência, memória e comunidade – comentou Martha Abreu.

 

Luís Felipe Santos, arqueólogo, professor da UFBA e coordenador, ao lado do professor Gilson Rambelli, da pesquisa arqueológica no Sítio Arqueológico Bracuí 1, disse que Angra integra um território de relevância internacional.

 

- Essa pesquisa coloca, sobretudo, o Quilombo Santa Rita do Bracuí em evidência como um território reconhecido globalmente. Recebemos a visita do cônsul-geral dos Estados Unidos, de representantes do Smithsonian Institution, e isso mostra o quanto esse projeto tem nos permitido aproximar um tema tão sensível de pessoas ao redor do mundo que se identificam com essa história – pontuou Luís Felipe.

 

Já para o cineasta e documentarista Yuri Sanada, resgatar a história é garantir que tristes episódios como o do passado, não se repitam.

 

- Essa é uma história importante não só para o Brasil, mas para o mundo. Uma narrativa que coloca Angra dos Reis no mapa mundial da cultura e da história. Isso atrai turistas, pesquisadores, instituições, todos em busca de histórias como essa. Temos a obrigação de preservar essa memória, não apenas no fundo do mar, mas em todo o território que carrega esses vestígios do passado. Mergulhar nesse local, marcado por tanto sofrimento, é uma oportunidade de trazer essa história à tona. E o mais impactante é poder compartilhá-la com as pessoas. Falar sobre isso nos faz refletir sobre o quanto a humanidade foi, e ainda pode ser, cruel. Mas, acima de tudo, é uma forma de aprendermos para que episódios como esse nunca mais se repitam – disse.

 

No ano passado, um evento no Quilombo contou com a presença de renomados historiadores e arqueólogos, pesquisadores e mergulhadores que participam das expedições e estudos do navio Camargo. O secretário do Instituto Smithsonian, Mr. Lonnie Bunch que esteve no Brasil pela primeira vez fez questão de conhecer o local de perto e se encantou com a beleza e a cultura quilombola.

 

- Estou muito feliz de estar aqui hoje, eu sonhava com esse momento há 20 anos e hoje pude realizar. O naufrágio do Camargo não é apenas um achado arqueológico, mas um símbolo da resistência e da resiliência dos africanos escravizados. É uma oportunidade para recontarmos nossa história sob uma nova perspectiva, dando voz àqueles que foram silenciados – ressaltou à época, Mr. Lonnie Bunch.